2 de nov. de 2011

Palhaços

Sempre tive medo de palhaços.
Os narizes vermelhos chocavam-me
Quando criança,
Com uma extrema supra-realidade
Que faziam minhas pernas tremerem.

Narizes vermelhos eu só via quando a gripe chegava
E me deixava mais uma vez na cama, prostrado.

Palhaços são bonecos malditos, cheios de estopa,
Sem coração.
Assustam crianças com suas risadas
Quase diabólicas,
Sempre sem graça.

Palhaços intimidam pais indefesos.

No baú do medo de cada um,
Eles retiram de seus filhos o controle.
O palhaço dá algodão-doce para a criança
E ela é capaz de se soltar do colo dos pais
Do calor de seus braços
Por essa guloseima falsa
Que some na boca deixando a irresistível
Lembrança de um doce enjoativo
E, às vezes, uma cárie.

Palhaços são capazes de erguer a mão
a um cumprimento pseudo-feliz
e no ato do encontro entre elas,
dar um choque surpreso na vítima
que espera, sem saber,
ser alvo de uma chacota.

Palhaços são figuras sinistras
Que esguicham água
Nos olhos dos outros
Através de uma flor.
Quebram toda beleza e charme das margaridas
Verdadeiras.


Nos olhos, a água impede a visão do acometido,
Turvando-lhe, pelos menos por segundos,
A realidade a sua volta.

E o distorcer da verdade é momentâneo.
E os momentos ruins criam marcas.
Palhaços têm pés grandes.
Esse membro de sustentação do corpo,
Amigo de casa ser,
Que não perdeu a incrível capacidade,
De andar.
Por isso, palhaços andam estranho.
Por isso seus pés se antecipam na chegada.

Palhaços colorem a vida em exagero,
Tirando dela a beleza das cores naturais.

E palhaços distorcem a voz.
Essa inesgotável fonte de comunicação.
Distorcidas, as vozes dizem não-verdades.

Palhaços pulam muito, demais.
Enquanto, na plateia,
Crianças, paradas, chupam os dedos
No desejo de estarem
Em seus lugares.

Palhaços são mórbidos,
Insensíveis e cruéis.
Na morbidez de suas palavras
São carregadas apenas vontades
Não-realizadas da infância,
Pois palhaços são seres duplos
E ler suas interpretações da vida,
Tira dela qualquer seriedade.






Palhaços sugam a consciência
E com ela a noção de certo e errado.


Palhaços entretêm.
Um entretenimento barato
De consequencias caras.

Palhaços carregam maçãs-do-amor.
Outro convencimento árduo e trapaceiro,
Pois nem fruto nem sentimento,
Uma atraente cor vermelha dura
Que esconde o interior podre.

Palhaços não são ficção.
Pois esta, pelo olhar crítico do artista,
Recria com subjetividade e plasticidade,
Uma nova realidade,
Social, reflexo e de constatação.

Enquanto a ficção faz-se irmã da história,
A voz do palhaço é pautada na mentira.

A arte feita por palhaços é sinônimo de bagunça
E entre suas acepções várias,
Está a palavra orgia.

E, talvez, palhaços sejamos todos nós:
Pais, filhos, professores.
Pois no fundo não entendemos
A máscara social que encobre o amor
Que existe entre nós.

Um palhaço leva-nos à cegueira completa,
Deixando-nos à mercê da tristeza.

Respiro, fundo.

Hoje vou vestir roupas coloridas,
Meu nariz já está vermelho.
E antes que embranqueça meu cabelo,
Pensar no papel de educador
E tentar entendê-lo.

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