30 de abr. de 2012

Silêncio



Ouçam meu silêncio,
que lhes incomoda.
É desespero doentio,
que me desdobra.

Mais que versos e rimas,
meu calar é seu espaço,
já que na ausência de minhas
palavras há embaraço.

Toda escrita de poeta
não consegue dar voz
à linguagem secreta
que lhe surge algoz.

Marcado por diversidade,
já sem totalitarismos,
o poeta, na cidade,
é papagaio de ismos.

Sem prefácios, sem paródia,
silêncio que quer ser ouvido,
sem abraços, sem discórdia,
transtorno ferido.

Ouçam meu silêncio,
que lhes incomoda.
É desespero doentio,
que me desdobra.

A palavra é letal.
Quero ser homem-vivência!
Ela é instrumento.
Eu, experiência.

Mas não lhes darei a chave.
Essa palavra, sem clima,
às vezes é ave,
jogo que sublima.

E abismar-se na língua diária,
sendo ela enigmática,
é questão primária,
sem prática.

Percebes?

Cavei o silêncio.
Abri espaço pra outras vozes.

Tentem operar a passagem,
contemplar a folha em branco.
Mas a operação, a passada,
às vezes dada aos arrancos,

é sem glória e sem lamento.
Ouçam meu silenciar.
E dele, provoquem murmúrio
sem se ausentar.

Adiem a refeição!
Cozinhem em fogo lento!
O silêncio cru, pra alimentação,
é minha comida. Tento,

nas formas do vazio,
extrair, da terra, a raiz.
E, ainda que desvario,
dizer com o que não diz.

Constatem! O quase nada,
o caráter do calado, mudo,
faz-se espaço que não acaba,
é prenúncio para tudo.

Ouçam meu silêncio,
que lhes incomoda.
É desespero doentio,
que me desdobra.

E na produção literária,
vejam o sujeito enunciador:
é nunca o mesmo, é mortalha,
apenas visões de dor.

Mudança da mentalidade?
Fazer, no texto, o mundo?
Como? Se na realidade
desconhece-se o eu profundo.

A direção é falha.
A utopia é atravessada.
E, se comentarem o texto,
o produto será nada.

Nada = silêncio
Ouçam o meu,
Doentio,
Que é de vocês.

Água de lagoa.



28 de abr. de 2012

Amor contemporâneo


Me dá o cu amor?

Nossa... Você podia ser mais romântico né?

Tem razão, desculpe.

Me dá o cu amor?
Olhando para as estrelas,
Sob o luar que se esconde nos altos ramos,
Lembrando a silva das campinas,
Formando um só corpo,
Flor, semente de um grande amor.

25 de abr. de 2012

Momento-medo


Há xícaras sujas de ontem,
mas o sabor do café ainda é igual.
Tem roupa suja de passado
E no vesti-la vem a dor de abril.

Veja: nesse prazer de cantar,
vem quê de samba de criação,
gostinho de dor de mãe,
um “ajuda aqui, coração”.

Ah, não vem não com mal
de copos vazios
na madrugada a dentro.

Vem se fazer fértil, abraço.
Não deixa eu ver, desilusão,
Isso que me escapa à mão.

24 de abr. de 2012

Soneto


Em cada barraco muita gente
Que só quer espaço pra morar no Rio.
Não sabem que lhes falta aquilo que se sente
Quando, vendo-os, perplexo, sorrio.

Em cada porta, portinha, onde se encontram brasileiros,
Que têm a desigualdade no mesmo quarto,
Pesquisam, escutam, ouvem tudo, até tiroteios,
E aumentam os problemas, os fardos.

Muitos nordestinos-cariocas,
Que trazem nas costas tudo,
Pra tristeza ou surpresa minha.

Estupendos fios, ruídos, fofocas,
Saúde em eterno luto,
E eis aqui a cidade da Rocinha.

20 de abr. de 2012

Ontem, depois do Jô...

As paredes são claras, mas frias e minúsculas são as lembranças. A noite está silenciosa, mas obscura e, profundas, as falas sussurradas. Janelas fechadas, ainda que os vidros sejam transparentes e, na música do celular, uma ainda memória do calor do dia em que a energia teima em não morrer, como a luz. Tempos em que o cardápio se resumia à carne fria. Ainda assim, mesmo a caneta minguando a tinta, mesmo o sono apagando aquilo que até então as aulas seguravam, Algo corta o silêncio, sentado nos corredores e escadas do prédio: Um risinho saliente que ecoa pelo negrume das camas de casal usadas por solteiros. Alguém que geme: incontido perfume transbordando em gozo na madrugada juizforana.

18 de abr. de 2012

Desamparo

A um passo do erro supremo
Em que se dão processos mercadológicos
Da educação, direito extremo,
Desses filhos dos outros, pródigos,

Insere-se aquele que ensina,
Que cuida das nossas crianças,
Que das cinzas do medo, peregrina,
Ao íntimo do ser. E as finanças,

Deste que se doa a uma causa,
Simplesmente fogem tingidas
De inverdades midiáticas

Enquanto, novamente, ele vai à lousa,
Lê e escreve sob vozes fingidas,
Sobre a verdade: a mídia é perfídia.

17 de abr. de 2012

Poema em linha torta

Da política surgem barbaridades
E o educador é quem sofre a afronta
Mas poucos são os que plantam árvores
Muitos, os que querem sombra.

E do falso e indigesto puritano
Vem a ordem de uma voz calar:
A que ouve, do cidadão, o plano,
De viver, crescer, teimar.

Ah, quem me dera uma vez ouvir,
Da voz de quem manda, um agravo!
Será só o Fernando e eu vil?

Será só o poeta detentor de destreza?
Se assim for, serei eu o infame,
Como Pessoa, no sentido infame e mesquinho da vileza.

14 de abr. de 2012

Negócio

Vendo:

1 - dois óculos lindos vermelhos
para ver melhor,
nunca usados;

2 - venda para os olhos
cegos;

fechando aquilo que
aparentemente nunca foi aberto.

Preço: ficar calado.

11 de abr. de 2012

Pintar


Não a moça que morde o leque,
Que existe mais para o prazer do outro.
Nem o moço, cabeça feita no barbeiro,
E de elegância comprada ao alfaiate.

Sim, a atriz, objeto de prazer público.
Sim, o ator, lembrete da mascarada perfeição.
Viva as alamedas zebradas de sombra e luz
Em que poetas ancoram-se fatigados!

Basta de sujeitos contemporâneos,
De mocinhas das letras pedagógicas, pontuais, disciplinadas,
Já que suas características é a de não terem nenhuma.

Algo de efeito assombra,
E mesmo romântico, não consigo pintar:
Esse sabor amargo do vinho da vida.

10 de abr. de 2012

Do lar.


Estou decorada, mas triste, sem sal.
São tênues as verdades quando chega o carnaval.
A máscara na face, de monstro,
Revela a tamanha dor do desencontro.
Mil horas na esperança de uma só hora
Passo os dias de respeito, de senhora.
Para não descartar o que me aquece,
Só mais um porto e a ideia esquece.
Só determinadas cores servem a minha alma
Só desengonçadas dores perdem-me a calma.
Quero mais um desses dominantes,
Voltar a ser a dona de antes.

Adversidades

Eu não queria... mas,
Do perfume em nossa cama,
A lembrança, exalavas
De quem, já cedo, desama.

Eu não queria... porém,
Cupido estava em festa,
Da qual o amor advém,
E em peito-pedra encrespa.

Eu não queria... contudo,
Trago flores vermelhas na mala,
E num ritmo dissoluto,
Tento, lágrima, enxugá-la.

Eu não queria... todavia,
Uso desse meu rancor
Para, contínua e sempre fria,
Tornar a noite um sobrepor.

Eu não queria... no entanto,
Em dias, sem sua mão,
Nuvens negras, novamente, planto,
Enquanto luz e amor se vão.

Eu não queria... entretanto,
Gasto, contigo, palavras...
Enquanto em versos relanço
Lembranças que na cama exalas.

2 de abr. de 2012

Até ficar com dó de mim...

Eu queria curtir o curtir dos outros...
até que meus "curtis" cotidianos invadam a maravilhosa
vida dos ricos, rios rubros de riqueza,
que riem risinhos ricos em rixa...
Ah... quanta coisa falei e pensei...

Pela minha lei,
era obrigado a gente ser feliz.
Você nem avisou, foi embora,
em boa hora,
embora meu peito chute...

E eu nem sabia que naquela única
vez que senti-me em você, interior,
eu amava como se fosses a última...

A música não é de gargalhar
quando se sente pássaro.

1 de abr. de 2012

Sentimentos gastos

À noite todos os gatos são pardos,
mas ainda continuo negros aos olhos dos viventes.
Os que ainda acreditam no amor dos tolos,
os que na rua atravessam entre as gentes.

Continuo lúgubre e sombrio,
diante dos que santos, se fazem em máscaras.
Visão distorcida e sem brilho,
olheiras, lágrimas cansadas.

Canto o canto da morte do sorriso,
ausência de calma.
Canto o fim da certeza do que é visto,
ausência de luz na alma.

E por fim elevo preces ao salvador,
pros que ainda sentem falta de amor.