Ouçam meu silêncio,
que lhes incomoda.
É desespero doentio,
que me desdobra.
Mais que versos e rimas,
meu calar é seu espaço,
já que na ausência de minhas
palavras há embaraço.
Toda escrita de poeta
não consegue dar voz
à linguagem secreta
que lhe surge algoz.
Marcado por diversidade,
já sem totalitarismos,
o poeta, na cidade,
é papagaio de ismos.
Sem prefácios, sem paródia,
silêncio que quer ser ouvido,
sem abraços, sem discórdia,
transtorno ferido.
Ouçam meu silêncio,
que lhes incomoda.
É desespero doentio,
que me desdobra.
A palavra é letal.
Quero ser homem-vivência!
Ela é instrumento.
Eu, experiência.
Mas não lhes darei a chave.
Essa palavra, sem clima,
às vezes é ave,
jogo que sublima.
E abismar-se na língua diária,
sendo ela enigmática,
é questão primária,
sem prática.
Percebes?
Cavei o silêncio.
Abri espaço pra outras vozes.
Tentem operar a passagem,
contemplar a folha em branco.
Mas a operação, a passada,
às vezes dada aos arrancos,
é sem glória e sem lamento.
Ouçam meu silenciar.
E dele, provoquem murmúrio
sem se ausentar.
Adiem a refeição!
Cozinhem em fogo lento!
O silêncio cru, pra alimentação,
é minha comida. Tento,
nas formas do vazio,
extrair, da terra, a raiz.
E, ainda que desvario,
dizer com o que não diz.
Constatem! O quase nada,
o caráter do calado, mudo,
faz-se espaço que não acaba,
é prenúncio para tudo.
Ouçam meu silêncio,
que lhes incomoda.
É desespero doentio,
que me desdobra.
E na produção literária,
vejam o sujeito enunciador:
é nunca o mesmo, é mortalha,
apenas visões de dor.
Mudança da mentalidade?
Fazer, no texto, o mundo?
Como? Se na realidade
desconhece-se o eu profundo.
A direção é falha.
A utopia é atravessada.
E, se comentarem o texto,
o produto será nada.
Nada = silêncio
Ouçam o meu,
Doentio,
Que é de vocês.
Água de lagoa.